E a Palavra se fez Poesia

Na introdução do seu Evangelho, João resume de maneira magistral um dos dois pólos da fé cristã, a Encarnação de Deus: “A Palavra se fez carne e veio habitar no meio de nós” (Jo 1,14).

O mistério da Encarnação de Deus celebrado no Natal pode ser apreendido correctamente, num primeiro momento, como o facto de que Deus assume um corpo humano. O nosso corpo é a expressão mais clara da nossa existência, é o centro de irradiação da nossa presença. É com o nosso corpo que nos relacionamos com as demais pessoas e criaturas, é com nossos braços que acolhemos as pessoas amadas e nos reconciliamos com quem nos feriu. É com o corpo que homem e mulher se juntam para gerar nova vida.

A Encarnação do Verbo num corpo humano, portanto, deita por terra certa compreensão da nossa corporeidade que vê o nosso corpo como obstáculo à santificação e à união divina, numa atitude esquizofrénica que proclama a ressurreição do corpo após a morte ao mesmo tempo em que busca a sua mortificação durante a vida presente.

Uma verdade fundamental expressa com a Encarnação da Palavra é simples: o corpo de que somos formados e a matéria onde nos inserimos são bons em si mesmos. Toda a matéria e toda a vida têm a sua origem nas relações amorosas da Comunidade Trinitária.

Entretanto, não podemos reduzir a Encarnação da Palavra Divina ao facto de que um corpo humano foi formado no seio de Maria para acolher a Palavra, por mais grandiosa que seja essa dimensão corpórea da Encarnação. Para podermos entender a profundidade e o sentido desta afirmação do Evangelista João - E a Palavra se fez carne e veio habitar no meio de nós -, poderíamos desenvolvê-la com algo parecido com o seguinte:

A Palavra se fez comunicação, se fez juras de amor entre os enamorados, se fez música e poesia, se fez dança e festa, se fez refeição e confraternização, se fez oração solitária e oração compartilhada, se fez comunhão de vida e união de corações.

A Palavra se fez mão samaritana para socorrer quem está caído, se fez abraço para acolher os pecadores, se fez encontros que curam e que libertam, se fez gestos de amor entre pais e filhos, entre marido e mulher e entre companheiros de caminhada.

A Palavra se fez jovem e idoso, se fez homem e mulher, se fez criança com Síndrome de Down e criança altista, se fez pai e se fez mãe. A Palavra se fez dor e enfermidade, se fez silêncio e solidão, se fez ira e agressividade, se fez sofrimento e morte.

Em resumo: tudo aquilo que é humano – o pecado fica de fora, pois ele é justamente o que nos desumaniza – foi assumido, santificado e plenificado pela Encarnação de Deus no ventre de Maria. O humano é querido e amado por Deus. Não há, portanto, caminho de salvação possível fora da nossa realidade humana. Apenas conhecendo, assumindo e amando a nossa própria realidade humana seremos capazes de trilhar o caminho de salvação inaugurado por Jesus, a Palavra feita humanidade.

Quem pensa que o caminho de santificação passa por uma fuga das nossas realidades humanas – por mais conflituosas que possam parecer – faz o caminho inverso daquele assumido por Jesus. Mas, também esses serão, um dia, iluminados em sua humanidade pelo Verbo, “Luz verdadeira, que, ao vir ao mundo, a todo o homem ilumina” (Jo 1,9).
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